"O Aconchego dos Outros" - Karin Somers - Amarante
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
Meio Vazio / Meio Cheio
Não resisti a este texto, excepcional, da Vera Matias.
Aqui o deixo, para que os meus leitores o possam ler e reler, que ele é digno disso! Não tenho absolutamente nada a acrescentar.
Do alto dos seus 14 anos, do fundo do seu coração, esta rapariga disse:
(Xiiiii!!! Nem sei se ele se vai aguentar!!!!! E isto fui eu que disse!)
PP/M,
Não. Tu não sabes nada.
Porque é que para ti tudo tem de ser certo e exacto, não sei. Tu não sabes nada, só sabes números e fórmulas e palavras caras. Tu não sabes nada, à excepção daquilo que nunca mudará. Tu não sabes o rio e o céu porque o amanhã pode não querer levantar-se, tu não sabes o amor e o toque de alguém porque isso te pode fugir entre as mãos, tu não sabes escrever palavras básicas porque o seu significado não é específico, tu não sabes nada. Tu não és como eu, há demasiadas controvérsias na tua vida complicada, e tu não sabes nada, tu não sabes o quão maravilhoso é acordar e não saber nada, tu não sabes a frescura da ignorância química e matemática, tu não sabes nada.
Eu escrevo tragédia e amor, eu escrevo o que o meu coração manda para as minhas mãos e tu não sabes o que é isso, tu não sabes nada para além da escrita correcta e das palavras específicas, tu não sabes escrever nada para além do que a tua cabeça exige e do que eles querem ler, tu não sabes nada.
Os teus textos talvez façam mais sentido que os meus, talvez, mas tu não sabes nada para além disso, do sentido. O que escrevo está vazio? Tu não sabes nada, tu não és como eu e nunca vais saber se as letras do meu papel estão meias vazias ou meias cheias, porque eu escrevo tragédia e amor e tu não sabes isso, tu não sabes nada, não sabes mesmo nada, e hoje vais sentir pela primeira vez a frescura que é a ignorância.
Com amor.
9 comentários:
Um belíssimo texto. Parabéns, Vera. Brincas com as palavras dizendo verdades tão profundas.
Anabela, a foto é magnífica. Obrigada pela partilha. E obrigada também pelo aconchego. Bem preciso neste momento.
Um caloroso abraço.
Obrigada Fátima.
E daqui te mando um grande e caloroso, como diz o meu aluno Pi Pereira, e repito, um grande e caloroso Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuah!
Fica bem.
" Não o afectou "
x)
Sabes o que te digo, eu que conheço a peça? Acertou-lhe em cheio! Provavelmente ainda está meio abanado!
Bjs
Em frente minha sobrinha!
Mais um texto fantástico, Vera. Parabéns! E se tinha destinatário... se o afectou... isso são contas do vosso rosário. Mas o texto está ao nível do que nos habituaste e ainda bem que a Anabela está atenta e nos dá a ler (pudera! tia babada)aqui no blogue. Tira-nos o trabalho de ir ao teu, Vera.
.
Carpe diem!
É um texto belíssimo, Raul. Continuo atenta e ao mesmo tempo espantada com a caracidade de escrita desta rapariga.
Surpreendente.
A Vera Matias, na busca da Ignorância Douta de Ver e não Saber nem quê nem como nem porquê, de Amar e não saber porquê nem para quê nem até quando ou se sem fim, de Estar e não saber onde, de Fruir o passar do tempo e não saber se é tempo se é não-tempo ou terna Eternidade, de teclar e não saber quem tecla se ela se um bichico que dorme em si, de Rezar e não saber se sombra de parede é sombra, mãe, será irmão, se é donzel, amado ou sonho, de Abrir o coração e não achar senão espaço que não falta, pois lá, em tão pequenino orgão, tudo mas tudo, tudo, lhe cabe, com pasmo, da incompreendida vida.
E é claro que é capacidade... é o meu teclado que por vezes fica tolito!!! Ou serei eu? :D
Lindo texto o seu, Ângelo, que até da prosa faz poesia!
Gostei.
Fique bem.
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