segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Continuo um Ent

Rasto de Ent em Terras Inóspitas que São Home
Fotografia de Artur Matias de Magalhães
Continuo um Ent

O texto que hoje partilho é maravilhoso e revisitá-lo diz muito da relação que volta e meia estabeleço com os meus alunos, os únicos que me têm segurado todos estes anos na profissão que escolhi e que se veio a tornar coisa de muito difícil digestão em Portugal.

Não é tarefa fãcil ser professora em terra própria e pequena, onde todos se conhecem, e construir uma reputação à prova de bala é ainda mais difícil. Eu, confesso, tenho tentado com unhas e dentes dignificar a profissão que escolhi, não ser uma troca-tintas, ter uma relação muito franca e honesta com os meus miúdos e os seus pais, defender as causas em que acredito... mesmo se, frequentemente, eu nem beneficiarei directamente dessas lutas mas nem me importa, acredito que lutando pelo bem comum poderemos todos beneficiar de um mundo mais limpo e mais asseado. 

Volto à história que aqui me traz. Reencontrei o aluno desta história aqui em Amarante, onde ele já não habita, e entre beijos e abraços, este médico informou-me: - "Professora, entrei na especialidade" ao que eu disparei um imediato - "Está calado. Não me digas em que especialidade entraste porque eu vou adivinhar. Entraste em neuro-cirurgia."

E entrou. Era o que ele me dizia que ia ser quando fosse grande e ainda era pequenino. Foi meu aluno do 7.º ao 9.º ano de escolaridade e partilhou comigo uma das histórias mais belas e complexas sobre a minha pessoa e que correspondem exactamente ao que sou.

Esperto puto! Inteligente puto! 

E eu, agora bem mais velha, passados todos estes anos sobre a escrita deste texto, faço uma repescagem desta história em um dos momentos-chave e mais complexos de toda a minha carreira profissional, o quarto, que eu tenho as indignidades todas numeradas, e que ainda não sei como terminarei, e que está a ter consequências no meu equilíbrio físico e mental que eu tanto prezo.

Uma coisa é certa, Pi Pereira, mais velha, quero aqui e agora assegurar-te, mesmo que agora não leias este texto ou que o descubras um dia, sei lá eu, perdido por aqui por esta net que eu amo:

 - Continuo a deixar rastos de Ent em terras inóspitas que são Home.

DOMINGO, 25 DE MAIO DE 2008

Sou Um Ent


Rasto de Ent em Terras Inóspitas que São Home
Fotografia de Artur Matias de Magalhães

Sou Um Ent!!!

Hoje descobri que se estivesse dentro do mundo criado por Tolkien seria um Ent. E descobri-o em conversa no msn com um dos meus alunos... de seu nome Pi Pereira.
A propósito da próxima visita à ESA de Mia Couto, que se concretizará no próximo dia 13, o Pi falou-me de Tolkien e de todo um mundo criado de raiz que o deixa fascinado e maravilhado pela criatividade do autor, pela capacidade de criação de todo um mundo inexistente, com personagens como os Ents, as Esposentes, os Elfos e os Hobbits. "Um enredo fantástico e fenomenal" para usar as suas palavras.
Vou confessar aqui a minha completa ignorância sobre o que era isto dos Ents. Vai daí perguntei-lhe quem eram esses seres já que ele afirmava que dentro daquela história eu seria um deles. Confesso que não esperava semelhante resposta.
Partilho-a, a seu pedido, identificando o seu autor já que ele não quis saber de anonimatos nem pseudónimos. Partilho a sua visão sobre mim que me deixou deveras comovida e emocionada.
Jamais me compararam a um Ent. Jamais me disseram que eu sou um "pastor de árvores". Partilho esta bela história de múltiplas leituras agradecendo ao Pi o ter-ma contado.

"Pois os Ents existem desde os primórdios e foram criados para serem pastores de árvores", disse-me ele, "para as guiarem, amarem e cuidarem. Os Ents são pastores de árvores que falam com elas e com os animais. Comem os frutos das árvores, bebem a água dos rios, são seres antigos, sábios, amantes da Natureza, extremamente pacientes, bondosos e saudosos. Os Ents são seres fantásticos que adoram dar longos passeios para terras inóspitas. São errantes que vivem sem lar. Às vezes sentam-se num monte e passam semanas somente a respirar e a ouvir o chilrear dos pássaros. São belos e imortais. São muito fortes, mas apesar disso só lutam quando se sentem ameaçados. Em suma são seres absolutamente fabulásticos" - concluiu o Pi.

E à minha pergunta curiosa "Pi, a tua mãe é um Ent?" obtive a resposta que eu já esperava "É a rainha deles!"

Vai daí fiz hoje duas importantes descobertas. Descobri que para o Pi Pereira sou um Ent. E descobri que tenho uma rainha, o que nestas circunstâncias é muito saboroso, rainha essa que vai gostar de ler esta história porque a desconhece, tal como eu a desconhecia até me ter sido contada. Ora a "minha rainha" curiosamente, ou talvez não!, é, como eu, um Escorpião.

Resta-me acrescentar que o Pi Pereira, dentro desta história, seria um Elfo, sendo que os Elfos são seres fantásticos, precisos, belos, sábios, moderados, perspicazes e instintivos.

Lembrar-me-ei para sempre que para o Pi Pereira sou um Ent. E que isso constitui para mim uma responsabilidade acrescida. Espero, pois, conseguir manter-me assim, um "pastor de árvores", pelo resto dos meus dias e que daqui a muitos anos eu continue a ser um deles para o Pi Pereira. E já agora, para todos os outros também.
Texto retirado daqui.

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