Alice Costa
Fotografia sei lá eu bem de quem...
Hoje partilho, com enorme gosto, a primeira entrevista realizada pelo Gabriel Vilas Boas, autor do blogue Sete Pecados (I)mortais para o blogue ComRegras.
Conheço a Professora entrevistada, Alice Costa de seu nome. Infelizmente, a Alice Costa já não povoa a minha Escola. E digo infelizmente porque a minha Escola tinha tudo a ganhar com ela tanto a nível profissional como humano.
Saudades tuas, Alice Costa! Saudades do teu sorriso, da tua paciência, do teu equilíbrio, da tua compreensão, do teu esforço, da tua resiliência, do teu trabalho com os miúdos das turmas que partilhamos um dia...
Entrevista a Uma Professora Contratada – Gente Feliz Com Lágrimas.
Maria Alice Azevedo Costa é uma professora da escola pública que começou a lecionar em 1997. Durante quase duas décadas percorreu o país ensinando Inglês, Português e, mais recentemente, trabalhando com os alunos da Educação Especial. Natural do Marco de Canavezes, distrito do Porto, está atualmente a lecionar em Lisboa. Perto de casa só esteve sete anos, porque os outros doze passou-os em sítios tão distantes como a ilha Terceira, nos Açores, Guimarães, Gaia, Viana do Castelo, Lousada, Cinfães, Baião, Rebordosa, Paredes, Amarante, Carrazeda de Ansiães e Torre de Moncorvo.
Milhares de quilómetros percorridos, milhares de alunos diferentes pela frente, muitos obstáculos pessoais e profissionais ultrapassados, muitas lutas diárias vividas com paixão e a almejada meta da vinculação ainda por cortar.
O teu percurso profissional enquanto professora foi atípico: primeiro professora de Inglês, depois de Português e agora professora de Educação Especial. Isso tornou-te, involuntariamente, melhor professora?
A educação especial surgiu como mais um recurso que me complementou. À questão se me tornei melhor professora não te posso responder, pois essa avaliação deixo para os meus alunos. Todavia, consigo dizer-te que cada vivência contribui para o meu crescimento enquanto professora.
Os professores contratados são os mais bem preparados e atualizados professores da Escola Pública portuguesa?
Não gostaria de fazer um juízo desses, porém acredito que cada vez mais os professores contratados se preparam e atualizam mais para o exercício das suas funções. Aliás, é a este grupo de professores que são exigidas todas as qualificações e todos os requisitos. Na BCE, por exemplo, “eram” aqueles critérios todos: formação específica, experiência na área, avaliação, dinamização, etc. Até o registo criminal e o atestado de robustez física, os professores contratados têm de fazer prova. Curiosamente, entrando-se nos quadros, todos estes requisitos deixam de ser relevantes e deixam de ser solicitados.
Os professores efetivos são os “instalados” do sistema?
Não querendo ser injusta com aqueles professores efetivos que continuam a dedicar-se à sua profissão, e eu conheço alguns, na minha opinião há um número bastante significativo daqueles que se “instalaram” no sistema.
O Ministério da Educação determinou o fim da BCE (Bolsa de Contração por Escola). Concordas com esta medida? No teu entender, qual o método mais correto para a contratação de professores?
Concordo plenamente. Já vai tarde. A BCE foi o concurso mais injusto. Julgo que a lista de graduação será o método mais correto para a contratação de professores.
Como resolver o problema dos professores contratados há vários anos sem causar injustiças entre eles?
Aplicando a mesma lei que obriga as empresas privadas a cumprir. Isto é, se o professor é necessário e tem três contratos com o Ministério deveria passar aos quadros, salvaguardando o caso de professores que, como eu, lecionam há quase duas décadas e que, por injustiças como a BCE e a dita norma travão, ainda permanecem contratados.
Achas que os vários sindicatos de professores têm feito tudo o que está ao seu alcance para vincular os professores que estão em regime de contrato há vários anos?
Não sou sindicalizada nem estou por dentro do trabalho por eles desenvolvido, mas tenho a sensação de que poderiam ser mais persistentes nesta questão.
Os sindicatos deviam apenas discutir com o governo questões laborais ou também deviam marcar uma posição clara quanto à política educativa que os professores defendem para a Escola portuguesa?
Acho que, se calhar, uma coisa devia implicar a outra.
Costumas sentir pressões de elementos da Direção das escolas onde lecionastes para melhorares as notas de alunos “problemáticos”, no sentido de facilitar a sua transição ou dos melhores alunos para que este atinjam determinada média?
Felizmente nunca senti qualquer pressão. Sei que as Direções têm de mostrar resultados, sei que apelam às responsabilidades de cada um de nós, mas comigo nunca nenhum elemento das Direções por onde tenho passado me pressionou para fabricar resultados.
O atual modelo de gestão das escolas públicas portuguesas, que muitas vezes perpetua os diretores no poder, é benéfico ou prejudicial ao aumento da qualidade de ensino?
Acho que não é apenas o atual modelo de gestão de escolas públicas que perpetua os diretores à frente das escolas, também os anteriores modelos o permitiam. Quanto ao ser benéfico essa continuidade, é como tudo, se o diretor corresponder às necessidades da escola, esta só ganha com o seu trabalho.
O que achas do chamado “Ranking” das escolas?
Acho uma verdadeira farsa. Discordo com os princípios orientadores de tal comparação de resultados. É como comparar uma grande cidade cosmopolita a uma simples aldeia no interior.
O que pensas das recentes medidas do novo Ministro da Educação quanto ao sistema de avaliação, com o aparecimento das provas de aferição e o fim dos exames do 4.º e 6.º anos?
Concordo com as medidas. Nos exames do 4.º e 6.º anos fazia-se a comparação entre o incomparável. Quanto às provas de aferição, há toda uma cultura de se desvalorizar tudo o que não é quantificável para a nota, porém poderá servir como um descritor para cada escola.
As escolas públicas portuguesas têm as condições materiais necessárias para que os professores desenvolvam corretamente o seu trabalho com os alunos?
Neste momento existem as escolas que tem todas as condições físicas com bons recursos materiais e aquelas que estão no esquecimento, onde muitas vezes até o básico falta. Esta dicotomia mostra um bocadinho a realidade das nossas escolas públicas.
Achas que as escolas privadas melhoram a Educação em Portugal ou apenas aprofundam as desigualdades sociais?
Não acho de todo que as escolas privadas tenham melhorado a educação em Portugal. Cumpriram apenas com a sua função. Têm recursos que a escola pública não tem. Não são escolas de massas, pelo contrário, são escolas seletivas e em alguns casos ainda beneficiam do erário público.
Que imagem fazem os portugueses do professor? Essa imagem têm em conta as diferenças entre o professor contratado e oprofessor efetivo?
Julgo que a grande maioria tem uma visão negativista do professor. Veem-nos como ociosos (muitos dias de férias), muito implicativos com as crianças (quando exigimos).
Na escola portuguesa, há uma excessiva cultura da nota?
Sim, há uma excessiva cultura pela nota.
Que valências deve ter o professor atual?
O professor atual tem de amar a sua profissão, ser dinâmico, estar atualizado e ter espírito aventureiro.
Que consequências teve para a tua família andares duas décadas a saltar de escola em escola?
A família para mim é tudo. Como deves imaginar não é nada fácil chegar ao fim de semana e fazer a mala, partir para mais de 300 kms, deixando marido, filho e pais, estes com doenças como Parkinson e Alzheimer. Levo as saudades, as preocupações, a ausência dos momentos em família. E tudo isto que levo e que pesa mais do que a mala, também fica com eles. Felizmente, somos uma família consistente que se apoia mutuamente, pois de outra forma, se calhar já a teria perdido.
No que diz respeito aos professores efetivos versus professores contratados, hoje em dia não sinto tanta discriminação relativamente a estes últimos, pelo contrário, sinto que nos valorizam e apreciam.
Ser professora faz-te feliz?
Hoje, é com tristeza que te digo que me sinto cansada e muito injustiçada. Ainda assim sinto o apelo pelo ensino, o que me leva a avançar. O meu estado de alma pauta-se pela desilusão em virtude das políticas educativas que têm sido implementadas. No entanto, há um sentimento antagónico, porque quando estou em frente aos meus alunos, quando sou professora, ensino, partilho, demonstro e aprendo. Aí sou feliz.
Vinte anos é muito tempo. Muito tempo para continuar a acreditar que um dia a vinculação vai chegar, muito tempo longe da família e com a casa às costas, muito tempo para acreditar em erráticas políticas de educação por parte dos vários Ministérios da Educação, mas também muitos dias, semanas e meses de uma profissão vivida com gosto e paixão comoventes que temos de aproveitar e agradecer. Como diria Camões, n’Os Lusíadas:
“A gente vem perdida e trabalhada
Já parece bem feito que lhe seja
Mostrada a nova terra que deseja.”
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