terça-feira, 19 de abril de 2016

A Palavra a Almada Negreiros em 1916

Amadeo de Souza-Cardoso - Amarante
Fotografias de Anabela Matias de Magalhães

A Palavra a Almada Negreiros em 1916

Hoje aproveito para partilhar um texto sobre Amadeo e sobre um certo Portugal mesquinho e imbecil que, passados exactamente cem anos, ainda subsiste. Aqui, ali e acolá.

"Em Portugal existe uma única opinião sobre Arte e abrange uma tão colossal maioria que receio que ela impere por esmagamento. Essa opinião é a do Ex.mo Sr. Dr. José de Figueiredo (gago do governo).
Não é porque este senhor tenha opinião nem que este senhor seja daigualha do resto de Portugal mas o resto de Portugal e este senhor em matéria de opinião são da mesma igualha. Um dia um senhor grisalho disse-me em meia hora os seus conhecimentos sobre Arte. Quando acabou a meia hora descobri que os conhecimentos do senhor grisalho sobre Arte eram os mesmos que o Ex.mo Sr. Dr. José de Figueiredo usava para me pedir um tostão (1). Pensa o leitor que faço a anedota? Antes fosse: mas a verdade é que estou muito triste com esta fúria de incompetência com que Portugal participa na Guerra Europeia. E que horror, caros compatriotas, deduzir experimentalmente que de todas as nossas Conquistas e Descobertas apenas tenha sobrevivido a Imbecilidade. E daqui a indiferença espartilhada da família portuguesa a convalescer à beira-mar.
Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assomam à tona d`água pertencem alucinadamente a séculos que já não existem e quando Um Português, genialmente do século XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua Inteligência, a indiferença espartilhada da família portuguesa ainda não deslaça as mãos de cima da barriga. Pois, senhores, a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa é o documento da Raça Portuguesa no século XX.
A Raça Portuguesa não precisa de reabilitar-se, como pretendem pensar os tradicionalistas desprevenidos; precisa é de nascer pséculo em que vive a Terra. A Descoberta do Caminho prà Índia já não nos pertence porque não participamos deste feito fisicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao século XV.
Nós, os futuristas, não sabemos história só conhecemos da Vida que passa por Nós. Eles têm a Cultura. Nós temos a experiência - e não trocamos!
Mais do que isto ainda Amadeo de Souza-Cardoso pertence à Guarda Avançada na maior da lutas que é o Pensamento Universal.
Amadeo de Souza-Cardoso é a primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX.
O limite da descoberta é infinito porque o sentido da Descoberta muda de substância e cresce em interesse - por isso que a Descoberta do Caminho Marítimo prà Índia é menos importante que a Exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval de Lisboa.
Felizmente para ti, leitor, eu não sou crítico, razão porque te não chateio com elucidações da Arte de que estás tão longinquamentedesprevenido; mas amanhã, quando souberes que o valor de Amadeode Souza-Cardoso é o que te digo aqui, terás remorsos de o não teres sabido ontem. Portanto, começa já hoje, vai à Exposição na Liga Naval de Lisboa, tapa os ouvidos, deixa correr os olhos e diz lá que a Vida não é assim?
Não esperes, porém, que os quadros venham ter contigo, não! eles têm um prego atrás a prendê-los. Tu é que irás ter com eles. Isto leva 30 dias, dois meses, um ano mas, se tem prazo, vale a pena seres persistente porque depois saberás onde está a Felicidade.

Lisboa, 12 de Dezembro de 1916
José de Almada Negreiros
Poeta futurista
(1) Rectifico: O Ex.mo Sr. dr. José de Figueiredo veio substituir no original um Em.mo senhor que tem por hábito pedir-me tostões.

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