sábado, 29 de novembro de 2008




Curso de Electricista de Instalações - ESA - Amarante
Fotografias de Anabela Matias de Magalhães

CEF`s

Permita-me discordar do seu post, Ramiro.

Este ano lecciono 5 Cursos de Educação e Formação. Lecciono Cidadania e Mundo Actual aos meus carpinteiros, aos meus electricistas, aos meus serralheiros, e a duas turmas dos meus empregados de mesa e no dia em que sentir que o meu papel é nulo dentro da sala de aula desisto deles. E a verdade é que ainda não desisti. Já lecciono CEF`s há muitos anos, já contactei com inúmeras turmas e se há professora que sabe as dificuldades do dia-a-dia dentro da sala de aula com alunos que nos chegam às mãos quantas vezes desmotivados, com aversão à escola, vindos de famílias completamente desestruturadas, com histórias de vida quantas vezes do arco da velha, certamente que eu sou uma dessas professoras.
E com o saber de experiência feito permito-me discordar quando o Ramiro afirma que "Os CEF`s são um tumor que corrói os tecidos sãos das escolas onde estão implantados." Alguns alunos dos CEF`s, pela minha experiência muito poucos, são um verdadeiro tumor, mas são casos verdadeiramente excepcionais dentro destas turmas. Poderei lá eu voltar à sala de aula na terça-feira e olhar para o meu M, o meu F, o meu C, o meu B... como tumores?! Jamais enquanto professora tomei esta atitude e não desisto de os trazer para mim, para a Escola, para a Educação, até se me esgotar o último fôlego! E não acho que com esta atitude faça nada mais do que a minha obrigação como professora.
Permita-me também discordar quando o Ramiro afirma que os alunos dos CEF`s gozam de impunidade, que estão acima da lei e que gozam de protecção especial. Não vejo isso acontecer na minha escola. Quanto ao estatuto é verdade que o deles é diferente e que se regem por normas diferentes. Mas as normas existem e eles não estão acima delas.
Sou das professoras que partilha da opinião que é melhor estes alunos, incomparavelmente mais problemáticos que os das turmas ditas normais, estarem dentro duma sala de aulas, numa escola que tem de fazer das tripas coração para os cativar, do que andarem ao abandono na rua. São miúdos, miúdos/crianças, a quem a maior parte das vezes a vida não sorriu, nem sorri, e que têm todo o direito a receber todos os sorrisos que a escola lhes possa fornecer. É minha obrigação, enquanto professora, proporcionar-lhes um ambiente de aprendizagem o mais calmo, acolhedor e prazenteiro possível. É o que tento fazer em cada aula que passa, com todos os meus alunos, Cef`s incluídos. E devo dizer que a esmagadora maioria das vezes consigo.
E também discordo, Ramiro, quando afirma que uma grande parte dos alunos não aprende nada. Aprendem sempre alguma coisa. Uns aprendem mais do que outros, é certo, e também é verdade que aprendem mais nas disciplinas práticas do que nas teóricas, mas isso não é motivo para baixarmos os braços e desistirmos de proporcionar alguma normalidade na vida destes rapazes e raparigas. Igualmente discordo que o caminho passe por acabar com os CEF`s. O caminho passa por uma exigência cada vez maior para com os alunos dos CEF`s e passa também pelo ajustamento de alguns programas à realidade destes alunos. E aqui entra o ME que pura e simplesmente não faz aquilo que lhe compete e que se pavoneia impunemente pelo país sem qualquer tipo de avaliação que o remeta para as calendas gregas.
Observe, Ramiro, as fotografias tiradas recentemente numa destas minhas turmas, no caso a dos electricistas. Que lhe parece?
Para ler o post que motivou este clique em http://www.profblog.org/ e... procure que o Ramiro Marques é hiperactivo! :)

15 comentários:

Ana Paula Gonçalves disse...

Anabela, subscrevo tudo o que disse sobre os alunos dos CEf's. Na minha escola, esses cursos começaram em 2001 (electricistas, serralheiros...), eu era a assessora do CE a quem competia acompanhar a organização e funcionamento dos cursos. Mas fazia muito mais do que isso. Procurava os alunos, inscrevia-os, levava-os às salas, ouvia-os( e ouvia os seus professores, no início, quantas dificuldades, resistências...). Quando era preciso, ralhava-lhes, estimulava-os, ria-me com eles, zangava-me com eles, negociava com eles. Muitos deles, terminado o curso, emigraram (França, Espanha, Andorra). Acredita que, quando vêm à terra, me procuram? Vão à escola para me encontrar (e a alguns dos seus professores), contam-nos onde estão, o que fazem... Outros ficaram por cá, encontro-os no supermercado, na rua (outro dia, um estava com a mulher e um filho pequeno, quis que eu conhecesse a sua nova família, não consegui evitar as lágrimas, a ternura daquele rapaz que me mostrava o filho...). Vale a pena, sim. E é difícil, sim. E alguns são terríveis, sim. E alguns são magníficos, sim. E a sensação de fazer alguma coisa por eles é fantástica, sim. E a alternativa não é fechar os cursos, não.

Anabela Magalhães disse...

Subscrevo tudo o que dizes, Ana Paula. Também tenho histórias dessas com os meus alunos de Cef`s. Quando se lhes dá a volta o que fica é uma relação estreita estreita entre nós e um sabor fantástico a vitória! Não tem paralelo nas outras turmas e só quem lhes consegue dar a volta experimenta este sabor. Eu tenho-o experimentado. :)
Obrigada pelo teu testemunho, enriquecedor deste blogue.
Beijinhos

DA disse...

Quando comentei o post lá de cima não tinha reparado neste.

Mas mesmo assim continuo a perguntar cursos destes nas EB23 não sou pouco recomendáveis?

Anabela Magalhães disse...

A minha realidade é duma escola secundária e sim, há miúdos muito complicados nos Cef`s.
Também já os experimentei. Mas não é verdade que não sofram penalizações. Falo pela minha experiência e é só dessa que posso falar. A minha escola já suspendeu um aluno dos Cef`s por um dia e outro por dois dias por me terem faltado ao respeito verbalmente. Deu-nos uma trabalheira dos diabos, mas a verdade é que lá foram para casa meditar e voltaram calmos. Até já contei a história de um deles que me visitou em minha casa, uns dois anos depois, todo aprumado, de férias do seu trabalho na Suiça, reconhecendo que o seu comportamento era péssimo dentro da sala de aula. Dizia-me ele qualquer coisa como isto - Quando somos mais novos não pensámos! Agora que trabalho é que dou valor ao tempo que passei na escola!
E são estes miúdos, que vou reencontrando pela vida fora, que me deixam feliz. Afinal a Escola não arrumou com eles, não os expulsou para fora das suas portas de forma generalizada e indiscriminada. A maioria deles tem salvação. Dão muito trabalho, eu que o diga que 5 turmas é de arrasar qualquer cristão, mas a esmagadora maioria destes alunos tem salvação. Quando não têm salvação dentro da Escola há que encontrar alternativas fora da escola, mas somente nestes casos. De resto a generalidade dos alunos dos CEF`s têm mais fama do que proveito. Atenção. Falo pela minha experiência e não pela de outros.
Pode, e há certamente, realidades bem diferentes da minha.

Anabela Magalhães disse...

Pode haver... era o que eu queria ter escrito no final do comentário anterior.

DA disse...

Eu não diabolizo estes alunos. Os CEFs são necessários.


Sou dos que defendo uma maior flexibilidade dos currículos do básico, uns 30% a serem geridos pelas escolas, de modo incluírem componentes vocacionais (artes, tecnologias, oficinas, etc.), para os tornar mais atractivos para alguns alunos, evitando assim o insucesso e abandono "abastecedores" dos cefs.

Valorizo bastante os professores que trabalham com este alunos.

Anabela Magalhães disse...

Obrigada pela parte que me toca. :)
E deixas-me contente por não os diabolizares.
Sabes que às vezes, conhecendo o historial destes miúdos, fico a olhar para eles na sala de aula e a pensar "Meu deus, como é que consegues ser tão normal?!"
Tenho encontrado algumas histórias de vida, em miúdos e miúdas com 14/15 anos, de arrepiar.
Por isso sinto-me na obrigação, tanto quanto as minhas forças mo permitirem, de lhes proporcionar um ambiente o mais salutar possível.
É o mínimo. Nalguns casos gostaria de ter uma varinha mágica para lhes apagar o passado e refazer tudo outra vez.
Enfim.
:)

Ana Paula Gonçalves disse...

Da,
acho que a questão não está tanto se os cef's devem estar numa EB23 ou numa secundária. O problema, parece-me, está nas escolas que abrem cef's sem terem reunido as condições prévias para os problemas que, fatalmente, o aluno tipo destes cursos vai trazer para a escola. Entre essas condições prévias, destacaria as seguintes: o perfil dos professores, e particularmente dos directores de turma, dos cef's; a monitorização permanente (e empenhada) pelo órgão de gestão (há executivos que, nos cef's apenas "gerem" o financiamento dos cursos, não "gerem" os seus problemas); a definição clara de regras logo no início e a intervenção precoce (e radical, quando for preciso) em situações problemáticas que podem contaminar todo o curso ou até toda a escola. Dá muito trabalho, seguramente. Mas resulta.

Anabela Magalhães disse...

Continuo a subscrever tudo o que dizes, Ana Paula. A minha escola tem, no geral, excelentes oficinas específicas para estes cursos. Um dia destes vou até lá tirar umas fotografias. Tem também um corpo docente bastante empenhado e experiente neste tipo de cursos e antes de existirem cef`s já existiam os 15/18. Devo dizer que aqui à volta não existiam cursos de CEF`s em escola nenhuma quando a ESA os abriu sendo por isso pioneira na região.
Porque a verdade é só uma. Estes miúdos existem. Vai daí, o que fazer com eles?
Eu sou adepta da sua manutenção na escola excepto em casos manifestamente graves.

Elsa C. disse...

O apelo do Ramiro Marques é importante: urge debater as problemáticas inerentes aos CEF's (os seus programas,tipo de ensino, o perfil de alunos, o dos professores e, sobretudo, as finalidades que estiveram na base da sua criação, a sua operacionalização, os seus resultados).
Considero que o debate - a avaliar pelos comentários nos dois blogues - está a ser feito com maior lucidez e elevação neste blogue. Com muita pena minha...porque a praxis dialógica é indissociável de uma sustentação axiológica, sem a qual não passará de um aglomerado de palavras...sem crédito.
Debitar ideias(?) sob o véu do anonimato é, para mim, sinal de cobardia. E quem não sabe ser frontal, é incapaz da Autenticidade.
O que importa - diria Heidegger - é desenvolvermos uma existência autêntica.
Do que me é permitido constatar quer a Anabela - que conheço bem - quer o Ramiro Marques possuem esta qualidade/característica.
É a eles que me dirijo.
1. Nunca leccionei turmas de CEF's, pelo que, provavelmente, o meu testemunho será exógeno às suas singularidades. No entanto, também nunca abortei e isso não me impede de ter uma opinião sobre a prática do aborto.
2. Fazendo a observância da máxima de Wittgenstein: "sobre aquilo que desconheces, deves calar", opto por levantar algumas questões sobre estes cursos:
- meios geográficos distintos possuem variáveis sócio-económico-culturais diferenciadas. E estas influenciam, ao nível dos estímulos, o crescimento/desenvolvimento de todo o ser humano...e, claro, dos jovens que integram estes cursos.
Será que diversos contextos possibilitarão a existência de:
a) diversas realidades?
b) perfis de alunos diferenciados?
E, sendo, assim os discursos radicalizadores (de apologia e de eliminação) sobre estes cursos auto-excluir-se-ão?
É certo que a nossa lógica bivalente, não nos permite, por exemplo, infringir o princípio da não-contradição, mas não será redutora, perante uma temática tão complexa, polémica?
Clarificando: partindo do pressuposto que o discurso de ambos é alicerçado na prática, no trabalho educativo-pedagógico com esses alunos, os seus discursos não serão ambos legítimos?
(Já sei...novamente o princípio da não-contradição a minar-nos o horizonte mental.)
3. Há algo em que ambos estão de acordo: "(...) há miúdos muito complicados nos Cef's" (Anabela).
E sei que, na minha escola (a mesma da Anabela) nem todos os colegas partilham o seu optimismo quanto a serem docentes destes cursos, leccionarem a estes alunos.(E assim a posição de Ramiro não parece descabida). Ouço-os e fico a pensar:
Parece que há alunos de primeira categoria (do ensino regular) e estes, de segunda. E, afinal, a verdadeira questão é: houve uma avaliação séria - não daquelas encomendadas para as estatísticas ministeriais- sobre os resultados destes alunos, sobre os seus precursos posteriores?
Estes cursos constituiram uma perda ou uma mais valia para "a sociedade"?
4. Vou usar um chavão (que detesto): a escola deverá ser "inclusiva" ou não?
Integrar?Abandonar?eliminar?Reintegrar segundo outros pressupostos?

Sei que, por exemplo, os "miúdos" com necessidades educativas especiais (surdos, invisuais...) não têm garantias da sua inclusão, porque não possuem as devidas condições, apesar do "chavão" da teoria e prática político-educativa.

Faça-se o debate. Partilhem(os) as experiências, as práticas para, sobretudo, alcançarmos soluções.

"A argumentação é própria de uma sociedade democrática e civilizada"
Perelman

Anabela Magalhães disse...

Excelente reflexão que levanta uma série de questões sobre as quais urge fazer-se um debate sério.
Sei da minha experiência que os CEF`s são por muitos diabolizados. Diabolizados por quem os tem e também por quem nunca os teve e apenas ouviu dizer.
As realidades são muito distintas de turma para turma. Presumo que também de escola para escola. Presumo que ter uma turma de CEF`s na escola do Cerco, no Porto, seja radicalmente diferente de ter uma turma de CEF`s na ESA. E repito. Sei por experiência própria que mesmo dentro da ESA há realidades completamente distintas. Sei-o na pele, que tenho 5, o que é uma dose perfeitamente cavalar!
Posto isto acrescento que quero uma escola verdadeiramente inclusiva. Muito há ainda a fazer. Mas não me parece que o caminho passe pela eliminação da nossa vista, pela guetização, pela segregação destes alunos. É por isso que eu luto, todos os dias, dentro de cada sala de aula, independentemente de serem turmas de CEF`s ou não. Com trabalho da minha parte. Exigindo-lhes trabalho a eles! Já sabes que eu sou adepta da Educação pelo exemplo.
Bj

Elsa C. disse...

Eu sei. Daí a minha desmesurada admiração pelo teu brio profissional...e naquela escola há poucos a merecerem-no.

Anabela Magalhães disse...

Obrigada, Elsa C. Acho que tenho a sorte de gostar mesmo do trabalho com os alunos! :)
Provavelmente porque amo entrego-me mais.
Mas incomoda-me imenso o que se está a passar nas escolas fruto duma política remendeira, feita em cima do joelho! Isto está a deixar-me cheia de Escola. O que me vai valendo, para agora, é mesmo o trabalho com os miúdos. :)

maria almeida disse...

Há cinco anos que tenho CEF's.
Três cursos, três turmas, três desafios que abracei e de que nunca me arrependi.
Reconheço que não é fácil. É uma conquista diária, feita de avanços e recuos, em que as relações interpessoais são testadas ao limite.
Mas, quando nos entregamos (que é para isso que ali estamos, ah, pois é!), há uma enorme e gratificante sensação de dever cumprido. Assistirmos à evolução destes alunos , para a maioria dos quais a vida é madrasta, vê-los desenvolver competências sociais e adquirir um perfil profissional que lhes permite a inserção na vida activa e, consequentemente, afastá-los de outros caminhos, é uma recompensa para quem é verdadeiramente professor.
Saliento a importância da equipa formativa, decisiva para o sucesso destes cursos. Tenho a sorte de trabalhar com equipas coesas, que trabalham em sintonia para um objectivo comum: desenvolver estratégias de rigor e de responsabilização que permitam que o processo de ensino/aprendizagem se desenrole de forma adequada ao “crescimento” dos formandos.
Há nas escolas uma visão dicotómica dos CEF’s: se, por um lado, são o bode expiatório para tudo o que de mau acontece, por outro, há a tendência para vitimizar esses alunos, desculpando-os quando infringem as regras, com atenuantes que se prendem com o contexto sócio-económico de onde são oriundos.
É no equilíbrio entre estes dois paradigmas, nem sempre fácil de gerir, que se ganham estes alunos.
E a maioria, ganha-se. Digo-o por experiência própria.
Haverá excepções. Certamente. Mas apenas confirmam a regra.

Anabela Magalhães disse...

Obrigada, Maria, pelo teu comentário enriquecedor deste blogue onde se trocam ideias e argumentos de forma civilizada.
O que já li no blogue do Ramiro deixou-me até angustiada por pensar que alguns daqueles indíviduos poderão ser professores. Esses merecem a ministra que têm. Eu não. Tenho a certeza que tu também não a mereces.
É que eu já saboreei o teu trabalho! :) Para os CEf`s, pois então, que eles também são filhos de deus!
Beijinhos

 
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