segunda-feira, 14 de abril de 2008


Aberta - Marrocos
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

Cinco e Vinte da Tarde II

Hoje acabo de postar o texto da Vera. É um texto que explode de sentimentos, corajoso, inteligente. Graças a este texto íntimo e intimista, apesar de partilhado na blogosfera numa espécie de exorcismo de sentimentos negativos, constato que as raparigas não mudaram relativamente ao meu tempo de adolescente e continuam a vivenciar os seus amores de forma mais adulta e séria do que os rapazes. É a vida. E essa diferença na vivência do amor prolonga-se pela vida fora, Vera, e temos de aceitar as nossas diferenças. Homens e Mulheres, apesar de iguais, são diferentes, para o bem e para o mal. Os Homens são mais Razão daí "envolverem-se" e "entregarem-se" menos em qualidade e mais em quantidade. As Mulheres mais Emoção daí "envolverem-se" e "entregarem-se" mais em qualidade e menos em quantidade.
É claro que eu defendo a qualidade em detrimento da quantidade. Em todos os aspectos da vida. Evidentemente também no amor.
É também claro que esta regra que enunciei anteriormente não se aplica a todos nós por igual. Cada um saberá de si. É uma generalização que aqui deixo em jeito de provocação.

Cinco e Vinte da Tarde (Parte II)

"O aperto no meu coração era cada vez mais forte à medida que proferias tais palavras, à medida que via os teus lábios mexerem em direcção à rejeição. Eu já o sabia. Sempre o soube, e na minha cabeça sempre o tentei adiar, mas eu sabia, sabia mesmo que mais cedo ou mais tarde ia acontecer. E foi nesse dia que eu percebi, que apesar de meio ano de espera tudo fora em vão, nada passara de uma paixoneta para ti, percebi nesse dia que tudo o que eu te dei foi um pensamento soltado no ar, deixado vaguear sem destino.
Foi nesse dia que a razão me atingiu o coração, que a razão guardada na minha mente chegou ao destino. Foi nesse dia que percebi que tu morreras, e que não havia nada que te acordasse dos mortos.
As lágrimas escorriam-me pela cara, cortavam como facas, rasgavam os meus lábios e punham um amargo salgado na minha boca, que fazia lembrar o toque da tua língua, e que fazia com que mais ainda se formassem. Secava-as em vão, nada fazia com que parassem, a dor dentro de mim era intensa e bruta, e não parava, era cada vez pior, mais agoniante, mais dolorosa.
E de repente senti-me desidratada, já estava a chorar há cerca de três horas, mas perdi por completo a noção do tempo. As lágrimas secaram, já tinha esgotado todas as reservas líquidas do meu corpo, e caí no chão, mas a minha alma ainda doía, ainda chorava. O chão estava mais duro do que sempre, parecia mais impenetrável do que sempre, e a luz esbatia-se, ao longe, fugia de mim, eu era um repelente de alegria, um repelente de um mínimo de felicidade. Parte de mim morrera naquele dia, às cinco e vinte da tarde, naquele dia que deveria ter sido um igual a tantos outros, mas foi Aquele Dia, e eram Cinco E Vinte Da Tarde.
Abri os olhos. Não sei quanto tempo dormi, parecia-me já não existir tempo. Olhei para o relógio e eram cinco e vinte da tarde, outra vez cinco e vinte da tarde, e num gesto instintivo coloquei a mão no peito. Não sentia o bater do coração, sentia-o longe, sentia que já não o tinha dentro de mim. Senti um vazio inexplicável dentro do meu corpo, porque era mesmo assim, eu já não passava de um corpo. O coração já lá não estava, já alguém o havia levado, e não fora durante o meu sono, já havia sido há muito tempo. Levantei-me, mas faltava-me força. A minha pele ardia, os meus lábios estavam secos, e toda a água, a fonte da vida, estava perdida de mim. Arrastei-me para outra divisão da casa, mas doía-me o peito, e o esforço intensificava a dor. Queria chorar mas não conseguia, estava tão vazia de água como de vida. Bebi. Bebi como se a continuação do mundo dependesse disso, bebi como se fosse a última vez que via água, bebi como se mais nada importasse.
A minha pele começava finalmente a recompor-se, a ganhar cor outra vez, a deixar arder. Os meus lábios estavam carnudos de novo, o meu corpo começava a receber vida, mas o meu coração continuava sem bater. Continuava a senti-lo fora de mim, continuava aquela dor aguda no meu peito, e teimava em ficar. Quando voltei com a mente à realidade, senti medo, medo de tudo o que se tinha passado, eu não conseguia compreender o que se passava comigo, não conseguia compreender a ausência do meu coração, a dor no peito e o vazio do meu corpo. Olhei-me ao espelho, e tudo estava igual. Tinha a mesma cara de sempre, o mesmo corpo de sempre, mas o coração permanecia fora de mim e a dor no peito teimava em ficar.
Lembrei-me de ti, do teu olhar amendoado, do teu cabelo doirado e da tua forma de andar. Lembrei-me desse teu ser, dos teus lábios perdidos nos meus, do teu perfume e das tuas mãos enlaçadas nas minhas. Lembrei-me do dia em que me disseste que eu era tudo de ti. Lembrei-me das cinco e vinte da tarde passadas contigo, e lembrei-me também do último olhar que me dirigiste. E tive vontade de chorar, na verdade eu tentei produzir lágrimas, mas o meu peito doía demasiado, e não tinha forças para tal, não tinha capacidade para desperdiçar água do meu corpo. Mas a minha alma, essa chorava, essa não ia parar nunca, essa sentia a falta do teu ar a todos os segundos. A certa altura senti a respiração difícil, e percebi que tal facto se dava porque o ar, o ar que eu respirava já não era respirado por ti. Doía-me o peito e a entrada do ar porque o ar, o ar que me entrava já não te entrava a ti também, porque tu estavas morto, estavas morto e nada te iria fazer voltar. E foi nesse momento, em que eram cinco e vinte da tarde, que percebi que a dor no peito ia ser eterna, porque não havia nada que te acordasse dos mortos.
E hoje a dor no peito ainda a sinto, ainda dói como no primeiro dia, e são cinco e vinte da tarde outra vez . Mas apesar de tudo, as reservas de água esgotaram-se, e também foi para sempre. E talvez tenha sido por isso, por pedido do meu corpo, do facto de eu ser Humana, que fez com que hoje, às cinco e vinte da tarde, eu desistisse de Ti. E isso também para sempre."

14 comentários:

Raul Martins disse...

A introdução em jeito de provocação... aceita-se... já estou a ver o PI aqui a dizer das suas...
Mas as diferenças são complemento e ainda bem que assim é. O importante é perceber isso mesmo e crescer percebendo-as, aceitando-as e olhando o que há de bom de cada lado.
O texto da Vera continua a evidenciar a explosão de sentimentos do coração adolescente.
Gostaria que ela continuasse o texto e abrisse uma porta à esperança de que apesar de tudo as coisas podem ter uma saída.

Anabela Magalhães disse...

E eu também, Raul, já estou a ver o Pi a saltar para a arena... às vezes gosto de os picar!!! Lol
Aguardo a próxima explosão... masculina!
Quanto à Vera ela sabe que existe sempre uma porta. Temos de lhe dar tempo para ela a escancarar.
E ela vai fazer isso, não tenho qualquer dúvida.

Pi disse...

Eu tou pa minha vida
Primeiro a introdução.
Coitadinha.
Já devia ter aprendido a provocar melhor.
Afinal já tamos "juntos" há três anos.
Eu prometo que quando houver uma provocação ao meu nível eu me digno a responder
Quanto ao texto continuo a não querer ferir susceptibilidades...
Mas deixo vos apenas uma amostra:
"...percebi nesse dia que tudo o que eu te dei foi um pensamento soltado no ar..."
Soltado??

Raul Martins disse...

Peço perdão à Vera por querer as coisas antes do tempo. Queria a papinha toda feita para as minhas aulas e esqueci-me que a Vera está a fazer a sua caminhada.

Raul Martins disse...

Tens razão Anabela, é preciso dar-lhe tempo.
Eu é que fui egoísta e queria a "papinha" feita para os meus meninos. Perdão, Vera. Descobrirás a melhor porta para abrires. E quando quiseres, e se quiseres, nos darás a conhecer.

Anabela Magalhães disse...

Kakakakaka.
Só se aceitam críticas de quem fizer melhor.
E já agora, Pi... o que é "Eu tou pa minha vida"???
O que é "Afinal já tamos "juntos" (ainda bem que colocaste entre aspas!!!!! Kakakakaka) há três anos???
Aguardo reacção.
Beijoquinhas grandes desta tua admiradora
Anabela Magalhães

Vera Matias disse...

" Mas deixo vos apenas uma amostra:
"...percebi nesse dia que tudo o que eu te dei foi um pensamento soltado no ar..."
Soltado?? "

Literalmente soltado.

Anabela Magalhães disse...

Muito bem, Vera, muito bem... vamos lá a meter a rapaziada nos eixos!!!!! lol

Pi disse...

Sabe stora, quanto ao fazer melhor penso que já provei o que tinha de provar a quem tinha de provar.
Para a v.matias:
Se fossemos para analisar o teu texto tinhamos conversa para horas.
Agora tira as ilacções que quiseres.

Vera Matias disse...

Não sou de tirar ilacções ;)
Quanto ao meu texto, só o lê quem quer :)

Anabela Magalhães disse...

Ai, ai, ai, ai ,ai...Pizinho!!!!
Não sei se sabes mas as Veras atraem os Pedros e os Pedros atraem as Veras!!!!
Ai, ai, ai, ai, ai... Pizinho!!!!

Pi disse...

Perdoem-me.
Para a V.Matias:
Sabes tu ATÉ podes vir a escrever bem só que tens de aprender a aceitar critícas mais "pesadas".
Agora dizer:
"Quanto ao meu texto, só o lê quem quer" - É o tipico argumento de criança que amuou.
Estamos aqui picados há uma série de tempo, a tua tia já diz que somos "ímanes", sem necessidade nenhuma.
Quantos às ilacções, sem perspicácia não vais a lado nenhum.
É a vida...

P.S (ainda a treinar o método Socrático)lol

Anabela Magalhães disse...

Estou a gostar muito, estou, estou!!!

Vera Matias disse...

Para Pi:

Aceito todas as críticas que me fizerem. Boas ou más, pesadas ou leves. Mas com uma única condição:
Têm de trazer com elas algo de melhor ;)

 
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